23 de abril de 2018

Nigredo

Entras depressa na tua noite escura. Fechas a porta sobre o terramoto surdo dos dias em que nada acontece, os dias que não aconteceram, como a imagem sem som de um corpo quieto conduzido pelo tapete rolante do seu sossego e inércia, entregando-se ao labor orante ao deus dúbio do silêncio da escrita, os gestos secos e precisos de um ofício, em ciclos regulares recortando e detalhando um pequeno espaço vazio em que te empenhas com brio a bloquear todos os ruídos que te sugiram outras vidas para lá das paredes e janelas de um quarto fechado que se torna enorme na sua abstração de conceito de quarto, olhando a página branca de tua memória e imaginário como Galileu remexeria no negro do espaço sideral em busca da existência ou movimento do astro que fundamentaria o aparecimento de uma nova teoria que explicaria de modo definitivo a existência e o comportamento do universo e negaria todas as tuas mortes das noites anteriores( das quais te levantas todas as manhãs às oito), a própria ideia e história da morte, mas és vencido pela exaustão que o esforço te exige mesmo antes de começares. No entanto, e isto é uma regra que se aplica a todos, na mesma situação ou que gostariam de estar, não dormirás um sono sem sonhos. Como se descobrem variações de detalhes na circularidade da rotina, à imagem do planeta, és uma esfera imperfeita, podes sempre tornar a tentar, renovar o fracasso na noite seguinte.

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