3 de abril de 2018

MYSTERIUM

Scriabin, o visionário russo de natureza inquieta, leitor de Schopenhauer e Nietzsche, desejou que sua obra-prima trouxesse o Fim dos Tempos, o Dia do Juízo e Castigo, era sua grande empresa, erguer-se até recobrir com a sombra monstruosa das mãos todas as nesgas e escaninhos das alturas e abismos, devorador dos mundos, profundamente enlevado, como que dominado de um transe religioso,  da inteligência veemente do delírio, deixando soltar os sons universais que seduziriam tudo quanto há, com a sua loucura cataclísmica de sonho febril. Morreu ao longo da tentativa, por causa de uma borbulha mesquinha. Porém, se hoje pudéssemos ouvir a sinfonia de todos os encerramentos, retumbando nos créditos finais do filme cósmico, esta, quase apostaria, nunca soaria tanto a um princípio, como na noite de Natal em que nasceu ou na estrofe que abre as Metamorfoses, de Ovídio, uma massa densa e escura, sem forma e sem nome, reunindo numa só coisa todas, em discórdia e conflito entre si, até o deus compositor apartar terra e céu, e os nomear, de seguida em rápida sucessão arrumando e baptizando tudo o resto . A música, como todas as expressões da criação, aprendeu da morte a ironia, e escarnece, como as palavras, do poeta, de quem a instrumentaliza.

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