Entrou um melro pela ligeira abertura da janela, quero dizer, um pássaro desconhecido, a minha ignorância diz-me haver sido um melro, mas pode ter-se tratado de outra espécie. Sempre quis ver e estudar um de perto, sem o recurso dos binóculos ou de um guia das aves do país, tocar-lhe talvez, experimentar a fria e suave penugem negra e por baixo o pequeno coração furioso que faz todo o inerme corpo fremir de imbatível e indómita potência, mas não perdoei que sua esvoaçante e espavorida beleza, com a vassoura em riste, sujasse de terror branco minha vida protegida, espelhada no asséptico asseio da bancada, do chão, das gavetas, dos armários, do fogão da cozinha.
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