29 de março de 2021

Ermida da Memória

Sob enigmático sossego aéreo de asas marinhas, olhando a imagem aparente do mar, - como no verso de Valéry -, sempre no início. Num sol que se ia pondo não cor de rosa mas chaga de espinho, por razões que o poema decide guardar para si, uma amiga pensa em suicídio. Deixemo-la estar na paz solitária desse tenso mas necessário retiro. Porém, com a igreja trancada do lado de fora, e Deus abandonado no interior, alguns passos depois, num assomo acaso de fúria frágil de retornar à fé dos vivos, agacha-se emitindo para o exíguo físico da Ermida da Memória, sirénica, o mais belo canto lírico que ecoou perplexidade infantil, o sorriso exausto do náufrago enfim em terra firme. Ainda havia a luz do farol, aberta ao público aos domingos, mas não foi preciso.

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