A poesia é um louco laboratório, e eu dispo a bata para não chorar, mas não desesperes se só tens por companhia o silêncio do desassossego e as imagens e temas do conhecimento que só pode ser estudado e apreciado em solidão. Coloca-o numa placa de petri, colando o olho à lente do que testemunhas seguindo o alvoroçado cruzar e descruzar de movimentações autónomas, caóticas e arrumadas das microcriaturas : são as tuas memórias, revezes e vicissitudes, os triunfos, os desgostos de amor, os êxitos profissionais, as ocasiões em que viste o mar escuro ou o céu limpo, o vento dobrando a vontade de uma azinheira, o rio sorvido pela necessidade dos salgueiros, os ciprestes que contaste um a um na sua diferença e unicidade, pelo vidro traseiro do carro a cem à hora, à medida que mirravam na distância , a multiplicidade de pares de pardais esquivos voltejando em volta do musical equilíbrio de elementos de uma manhã sobre um pátio japonês, aquele drama alemão ou russo que reviste vezes sem memória, plano fixo ou lento traveling gravado com o tição da técnica e do dom, uma lua vermelha ou um eclipse, um cão às voltas com a cauda, a cauda salpicando a areia, chovendo sobre a criança, a criança que foste e tu juntos no balancé do tempo e da lembrança, a pequenina nuvem errante de Wordsworth, imagem poética que se fixou, como tantas outras, no céu da ideia, o triz em que escapaste da morte e da vida ou que O encontraste e Dele te tornaste desavindo, não mais deixando que sua mão se fechasse sobre a Tua. Chora agora. De tantos quase invisíveis nadas se urde o entrecho de uma vida interior, a tua pretensa existência comezinha. Chora agora, uma lágrima, como um homem, não desponta pelas razões certas ou erradas. Tens pérolas no rosto. Deixa os olhos transbordar até a chuva do futuro tornar a encher o fundo do poço. De rosto limpo e cintilante pelo renovo, levanta-te como mosto dos mortos das lágrimas anteriores. A vida é uma ordem. Um milagre. Todo o ser é de excepção. Cumpre-a.
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