23 de junho de 2018

Memento Vivere

Trinta e dois ou quarenta e um anos são vento,
estimado espectro de muitas noites e gritos.
A terra persiste megera desde que passou teu comboio, Attila,
ou mãe estéril, como também disseste, a precisar de um filho.
Ambos de berço proletário, sabemos que todo o poema é um canto de trabalho.
E só o suor, mudo e frio como Deus, nos ama e redime. 
Levantamo-nos ao amanhecer como os padeiros, para mais tarde regressarmos 
por uma rua longa vazia quando as estrelas
já dormitam,  surpreendendo a lua desatenta da sua vigia, escoltados por
um pequeno gato de um negro arisco como os sonhos.
Acendemos a luz, vamos buscar o pouco leite que há
e a malga para o nosso amigo, dividindo pelos três
uma lata de sardinhas. Cansado, nosso coração é leve, limpo.
Em silêncio, sorrimos, dois copos de vinho retinem,
brindam à desdita, esfumamo-nos os três em frio para a noite saindo pela janela aberta de uma cozinha vazia.

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