17 de abril de 2015

A LUZ DO SONO


The cloud-capp'd tow'rs, the gorgeous palaces,
The solemn temples, the great globe itself,
Yea, all which it inherit, shall dissolve,
And, like this insubstantial pageant faded,
Leave not a rack behind. We are such stuff
As dreams are made on; and our little life
Is rounded with a sleep.

William Shakespeare, The Tempest Act 4, scene 1, 148–158



Invariavelmente todas as noites
aperfeiçoas num mister em que as olheiras já são exímias
a tortura militar da insónia,
desfazendo a cama para matar a fadiga,
de amanhã ao raiar do astro
deixando-a desfeita a chacinar sem conta
exércitos de ácaros que se acumularam
em trilhos de sucumbidos quase invisíveis
nos lençóis, almofada, num leitor de música portátil
soporífera, que te esqueceste de desligar ou- reparas
agora- num livro deixado esquecido, ou fechado
pelo alarme de um novo dia, talvez por isso tendo
dificuldade em dormir sobre posturas fetais, amiúde
preferindo virar rosto e torso (também daquele deus de
Rilke) para baixo, contra o colchão, dissolvendo-nos no sonho,
cadáveres flutuantes sobre ondas teta, ora serenas, ora
encrespadas, como se quiséssemos morrer
para a realidade atravessando com o nosso corpo astral

Um limiar para a única ocasião
em que perdemos o controlo e o domínio
sobre nossas vidas, que falar de lucidez
em tal cenário indestrutível onde somos
imateriais, por isso imorredouros e nus de medos
como a carne feita verbo de um poema
me pareça tremendo disparate de
a quem foi dado e malbaratou o potencial de um raro
privilégio: a vida secreta da solidão de ser livre
e de o ser irresponsavelmente
para todo o sempre

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