Chovera, cheiravas a terra molhada,
meu petricor foi uma maneira, lucífuga porventura,
de não exaltar-te numa obviedade desapaixonada e neutra
de pintor realista.
Acordando tarte pela tarde - não é aceno a mestre,
simplesmente surgimos para a liberdade, só muito
depois do horário de almoço- dealbámos
no areal da praia que o Raul enalteceu, divisando, sem um argueiro
de exagero, o derradeiro vestígio de Atlântida
e a mais linda da terra portuguesa que nos coube-
abrindo parêntesis a lirismo frouxo - cabendo um no outro,
comprometidos de mise en abîme, ou combinados de rubik,
quando não, lamento dizê-lo, contra, em circunstância
de uma má vizinhança : gritos, fúria, emoções intensificadas
e música incidental ( todos os infalíveis condimentos de um mau
melodrama ou boa manchete de tablóide inglês).
A água vazava-se em até já lento e brando, rei seguro
sabedor de que a fidelidade devota dos seus súbditos
não lhe faltará no dia seguinte, porquanto governar
com punho duro mas justo.
Havias sacado da máquina a fim de capturar
fotometrando,focando, compondo para perfeitos enquadramentos,
a orla de cauda do distanciado manto espumoso do monarca,
a impressão vincada do último dos passos que se afastam.
Eu, se não fui de novo um joguete nas mãos de um deus falaz,
se bem me lembro, antologiava vesperal ainda não crepuscular, cores, formatos e texturas
insólitas de pedrinhas e conchinhas, para somar, iridescendo-a,
à colecção de um tablier não-costeiro, luxuriando o habitáculo nos
seus fins-de-semana, feriados e férias mais ou menos grandes- um
modo económico e criativo de nos defendermos do resistente remorso
de não vivermos no campo, numa mancheia de memórias de mar :
esse da cor dos sonhos de Miró, da cor da distância de que fala a Rebecca
Solnit ou daquele soneto do Carlos Pena Filho que me esqueço sempre de ler-te.
Voltando à agua, London não desdenharia singrá-la, beber desse nepêntico sabor,
Borges não teria peias de incluí-la como entrada na sua história da eternidade,
Hans Hass não se dispensaria de um mergulho.
Água permitindo-se trespassar, forrar, envolver, debruar de uma luz
estranha a este mundo, pródiga como um céu, própria de uma odisseia de sci-fi,
épica como uma citação, de verão invencível, dos templos do André Tomé,
dos edifícios do Zumthor e do Louis Khan, luz de Sol, astro branco, que
uma paráfrase incita a inventar-se um quarto para reclamar-lhe um pedaço.
Uma luz de subtil solenidade sarapintando um líquido de superfície,
como um Gabbeh, tapete cosido por mãos pobres
artesãs nos calos, nas bolhas, nas cicatrizes, lineares na
não-linearidade de todos os futuros.
Uma luz que acontecia quase à revelia do que sabemos
e temos por adquirido, que mais parecia, por pena -
não sabemos mas sabemos o porquê do enigma-
que as estrelas, na noite precedente a esta deflagração,
caíram, à razão estapafúrdia de milhões por segundo,
conferindo ao cenário uma aparência de papel de prata
amarfanhado ou plástico-bolha com lanterninhas que o
acendiam por baixo.
Luz de verdadeiro fenómeno moderno da Física,
binariamente dançando, ora de onda, ora de partícula.
Luz de alma, seguindo pelo sentido de Espinosa, indivisa,
do que a tudo anima, matéria, energia que dá vida,
e que bem precisado está o século destes
fantasiosos anacronismos.
Presença de que - não estivéssemos zangados,
teatrais, ocupados com guerras preventivas, misseis
teleguiados, desembarques de tropas à la dia d,
paz podre de guerra fria-, nos teríamos apercebido, interiorizado,
sem nos coagirmos ao regresso a esta luz de costume
mediática, televisiva, branqueadora,de satélite
do sentido, como somos nos textos, pela mediação das palavras,
metáforas e símiles, verdades e parábolas destes tão
quotidianos digitais nós manipulados,
em que a todos os fragmentos de coisas: mais verdadeiras?,
a que a vida poderia acrescentar a si própria,
puxamos a cor.
meu petricor foi uma maneira, lucífuga porventura,
de não exaltar-te numa obviedade desapaixonada e neutra
de pintor realista.
Acordando tarte pela tarde - não é aceno a mestre,
simplesmente surgimos para a liberdade, só muito
depois do horário de almoço- dealbámos
no areal da praia que o Raul enalteceu, divisando, sem um argueiro
de exagero, o derradeiro vestígio de Atlântida
e a mais linda da terra portuguesa que nos coube-
abrindo parêntesis a lirismo frouxo - cabendo um no outro,
comprometidos de mise en abîme, ou combinados de rubik,
quando não, lamento dizê-lo, contra, em circunstância
de uma má vizinhança : gritos, fúria, emoções intensificadas
e música incidental ( todos os infalíveis condimentos de um mau
melodrama ou boa manchete de tablóide inglês).
A água vazava-se em até já lento e brando, rei seguro
sabedor de que a fidelidade devota dos seus súbditos
não lhe faltará no dia seguinte, porquanto governar
com punho duro mas justo.
Havias sacado da máquina a fim de capturar
fotometrando,focando, compondo para perfeitos enquadramentos,
a orla de cauda do distanciado manto espumoso do monarca,
a impressão vincada do último dos passos que se afastam.
Eu, se não fui de novo um joguete nas mãos de um deus falaz,
se bem me lembro, antologiava vesperal ainda não crepuscular, cores, formatos e texturas
insólitas de pedrinhas e conchinhas, para somar, iridescendo-a,
à colecção de um tablier não-costeiro, luxuriando o habitáculo nos
seus fins-de-semana, feriados e férias mais ou menos grandes- um
modo económico e criativo de nos defendermos do resistente remorso
de não vivermos no campo, numa mancheia de memórias de mar :
esse da cor dos sonhos de Miró, da cor da distância de que fala a Rebecca
Solnit ou daquele soneto do Carlos Pena Filho que me esqueço sempre de ler-te.
Voltando à agua, London não desdenharia singrá-la, beber desse nepêntico sabor,
Borges não teria peias de incluí-la como entrada na sua história da eternidade,
Hans Hass não se dispensaria de um mergulho.
Água permitindo-se trespassar, forrar, envolver, debruar de uma luz
estranha a este mundo, pródiga como um céu, própria de uma odisseia de sci-fi,
épica como uma citação, de verão invencível, dos templos do André Tomé,
dos edifícios do Zumthor e do Louis Khan, luz de Sol, astro branco, que
uma paráfrase incita a inventar-se um quarto para reclamar-lhe um pedaço.
Uma luz de subtil solenidade sarapintando um líquido de superfície,
como um Gabbeh, tapete cosido por mãos pobres
artesãs nos calos, nas bolhas, nas cicatrizes, lineares na
não-linearidade de todos os futuros.
Uma luz que acontecia quase à revelia do que sabemos
e temos por adquirido, que mais parecia, por pena -
não sabemos mas sabemos o porquê do enigma-
que as estrelas, na noite precedente a esta deflagração,
caíram, à razão estapafúrdia de milhões por segundo,
conferindo ao cenário uma aparência de papel de prata
amarfanhado ou plástico-bolha com lanterninhas que o
acendiam por baixo.
Luz de verdadeiro fenómeno moderno da Física,
binariamente dançando, ora de onda, ora de partícula.
Luz de alma, seguindo pelo sentido de Espinosa, indivisa,
do que a tudo anima, matéria, energia que dá vida,
e que bem precisado está o século destes
fantasiosos anacronismos.
Presença de que - não estivéssemos zangados,
teatrais, ocupados com guerras preventivas, misseis
teleguiados, desembarques de tropas à la dia d,
paz podre de guerra fria-, nos teríamos apercebido, interiorizado,
sem nos coagirmos ao regresso a esta luz de costume
mediática, televisiva, branqueadora,de satélite
do sentido, como somos nos textos, pela mediação das palavras,
metáforas e símiles, verdades e parábolas destes tão
quotidianos digitais nós manipulados,
em que a todos os fragmentos de coisas: mais verdadeiras?,
a que a vida poderia acrescentar a si própria,
puxamos a cor.
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