17 de setembro de 2025

Quase Epifania

 

Sucedeu quando a minha tia foi levada a cremar, da primeira e única vez que vi, sem ver, um corpo a ser devorado pelas chamas. Ali, banhado em lágrimas que também ardiam, fiquei fascinado pela mecânica mágica dos fornos e o poder do fogo em transformar pele, carne e ossos em cinza, presenças que depois o tempo transforma em ar e memória. Senti que no meio da dor e da perda, o momento me estava a segredar algo de essencial: como, na pior das horas, preservamos uma curiosidade infantil activa e uma esperança viva e teimosa. Ou talvez esse seja um discurso de placebo com que procuramos convencer-nos de alguma verdade que nos escapa ou transcende, para retroceder dois ou três passos dos cumes do desespero - e, assim, sobreviver.

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