2 de abril de 2024

Juízos Finais

 Há quarenta e cinco anos que sigo a caprichosa estrela do desnorte. Como outros, nada lhe tenho a oferecer senão infâmia e desordem. Trespassando o corpo transparente dos anos que trespassam o meu, sigo esse ponto leitoso no céu, faça chuva ou sol, rodando em seu redor com as estações que em meu redor rodam, ela, meu sol, indómita fragilidade como onda ou nuvem, infinitamente inalcançável como a canção do horizonte. Erros meus, má fortuna, dizemos nós os versados nas dificuldades do ser e nos segredos da beleza, cometendo sepukku com a própria solidão, crimes da honra, guardando draconianos uma íntima distância dos problemas simples dos homens. Nunca fiz o que quis, nunca quis o que fiz, dei o dito por o não dito, contradisse-o e desmenti-o, incerto de meus apetites, ainda assim me impeli com suor e método a escalar o monte análogo da aventura, mas, subindo aos cumes do desespero, não me abalancei ao salto mortal dos sonhos. Fui arguido da virtude, absolvi-me e enforquei-me com a corda lassa do perdão, furtei-me da redenção quando esse beijo traiçoeiro veio ao encontro da fronte.

Sem comentários: