8 de fevereiro de 2023

Em visita ao túmulo de Krzysztof Kieslowski

Fito os dedos das minhas mãos, dez como o teu Decálogo, capazes de violar ou cumprir todos os mandamentos, rodar lentamente o caule das flores e fumar compulsivamente os cigarros, que todos os que te amam, oferecem a este cais molhado da tua partida, num calado requiem por um amigo. 

Ergo os olhos para a escultura das tuas mãos velando o repouso dos ossos, como os dedos simulam o gesto do enquadramento cinematográfico que simulo com os meus, lembrando uma curiosa conclusão de Kiarostami "É interessante verificar como os homens parecem entender tudo muito melhor quando se apresenta dentro dos limites de um frame". 

Cofio as barbas e componho os cabelos de pessimista, limpo os óculos sempre sujos e entreabro a boca, na esperança (virtude que a ambos desagrada), que procures o meu depoimento sobre o porquê da minha visita ou da vida, se pretendo saber como os mortos vivem, como se ocupam, se no além também se ama e odeia ou se dançam ao som de outra música, se a câmara perdura em filmar para além da última imagem, que movimento têm as coisas depois do movimento das coisas. 

Nada dizes ou sou eu que não te ouço, partilhando de um silêncio 
servindo de barreira linguística, 
opressivo,opaco,surdo,mudo,como uma parede, 
debaixo do céu de um azul sem respostas e um mistério,
como o cinema, a cada breve encontro, sem medida.

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