6 de junho de 2021

Cólofon

Sabes, não quero fazer da transmissão do segredo, um escusado exercício mais de escrita confessionalista, mas quis fazer de um copo de água a possibilidade de uma ilha. Por largos éones não soube que o sofrimento deveria ser partilhado, que isso era o princípio do fim da minha desconfiança, animal de sangue quente que precisava de ser seguro por outras mãos violentas para que pudesse degolá-lo e bebê-lo até à última gota de vida, usando sua pele depois como teatral adereço na companhia dos leves e contentes que deixaram de tudo questionar, os iridescentes heyokas desta vida que enxotam do espectáculo do instante maus pensamentos e piores espíritos. Como esse kafkiano bicho timorato cheio de soberba pela beleza e segurança do seu covil, infinitas frias galerias, rosnando de forma igualmente defensiva a simpáticos e hostis, mesmo mordido pela fome, não me aventurando fora do perímetro cada vez mais curto que ia desenhando, que a vida a cada dia fazia questão de pintar por cima com a tinta do invisível, não dei conta que todos os outros são iguais e que é para trocar histórias da confusão e do medo de existir que a criatura se fez social, distribuindo entre si o peso e a desordem do silêncio, pois não existe um espécime desse estranho e intrigante reino que não se ache assustado de morte, formando quase distraído uma intencional comunidade de assombrados fantasmas.

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