4 de janeiro de 2020

Babbel

Na cidade ouvem-se mil línguas ao som de desde o fado ao funaná. Qual globalizada cornucópia, desta jorram ainda mais formas de ser e sempre algo para fazer. Um número crescente acha indigesto o dolce far niente. Diz-me um amigo irlandês que Lisboa é agora a nova Melbourne; outro, que parece Berlim, não sei o que ambos querem dizer com isso, mas desconfio que tais afirmações escondam metáforas positivas. Ela obriga-me a aprender palavras difíceis como gentrificação ou especulação imobiliária; o pânico da perda de identidade nacional bordeja a xenofobia . Apesar do astronómico valor das rendas, outros amigos conseguem sobreviver com o equivalente ao salário minímo nos seus países de origem. Estudantes de Erasmus enamoram-se perdidamente da loucura local. Louvam-lhe a luz e as praias como se fossem recursos naturais, fundamentais para o equilíbrio da balança económica do país. Exclamam : A tua cidade é um paraíso! No paraíso todos se entendiam. A minha pátria são muitas línguas, número que transcende a minha capacidade tradutória. Ou talvez um reaccionário como eu não entenda o esperanto do futuro. Por isso, silenciamo-nos por entre o tropel de sôfregos estímulos, passamos despercebidos como um reflexo suave e indistinto de um voo de dois pares de asas ao crepúsculo  sobre as águas do rio, esperando que se esqueçam de nós no passado onde o amor era mais simples e a tristeza possível.

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