8 de novembro de 2019

ODE A UM DEUS CONHECIDO


É o medo que me leva a abrir a verve imaginante para não
rasgar a vena cava, a jugular ou a voz do pulso até ao Tinoni histérico
do INEM.

É o medo que me faz lesar o erário púdico,
amando na rua da carne com vista para todas as janelas
para não defenestrar-me.

É o medo que me faz adentrar de isqueiro aceso pelo mar até o corpo
enroupado de jeans e blusão negros dizer entoar engelhado, trémulo e quase
hipotérmico “ Alto lá! A tua vida não se afunda como num filme do Mizoguchi,
é melhor voltares para onde vieste.”

É o medo de quem me dera ter o miúdo do Yi-Yi a fotograr-me, por não
saber que ameaças esconde, a vida que se passa por detrás da minha,
a dois ou três palmos do nariz.


É o medo que me inflecte genuflectido ante a linha do horizonte,
Como se orasse, me humilhasse, como quando descobri o que é e para que serve uma árvore.

É o medo que me evita cumprir-me de vez poeta
de novas palavras com barbas, por ninguém ligar, ou,
pior, poderem haver quatro mil pessoas interessadas nisso.


É o medo que me leva a entrar e a não entrar no último metropolitano
de Amadora Este nocturna, para o gangue e facada se não passares pra cá euros, telemóvel e o código do multibanco.


É o medo que me alerta para a evidência de que este paisinho
se habita de numerosas almas boas, trabalhadoras temerosas
do que mais podem vir a fazer os que as desgovernam, crentes
que são na solene honra e defesa de superior interesse nacional,
quando empossam assinantes o destino de defunto de um futuro melhor.

É o medo que me desenha yo-yo, pedra, boomerangue.
Bala e richochete. Dealer e oerdose. Bom senso e suicídio.

É o medo que me faz rogar, já que o dia em que nasceste e o da tua morte, do mundo são ó poeta, que me cedas a título temporário,
por um módico pedaço cósmico deste meu viver, um pouco da posse
e gozo dos teus dias de permeio.


É o medo que me faz perder todos os táxis-por todos os comboios
serem haveres do Mário- e falhar o regresso a casa, a fuga, o cansaço
da criancice tardia da gente vadia coroando a exultação da monotonia
com mijo, detritos, beatas, garrafas, copos, gritos e danças- por não haver
autocarros depois das 19h20, para os meus amanhãs bem cedo de alarme
profissional.


É o medo que me faz fazer tudo o que quero e não quero,
ciente, por mor desta falha humana condição e da morte,
de que nunca farei tudo o que quererei e não quererei.



É o medo que me faz propositado esquecido trancado
com as chaves fixas do lado do mundo, enquanto a sombra
não sei onde e o reflexo de costas,e a morte que venha e
dê a três pancadinhas e abra o pano, para que me aparafuse
três voltas assaz ferrugentas e comidas não saindo nunca
do pesadelo de mim.


É o medo cais e nau, lenço e aguagem,
Finisterrae e Cabo, Adamastor e Ilha dos Amores,
onde desaguo qual rua citadina virgulando-se de esquina e reticências de
passos de perder de vista, em que estaco, hesito, prossigo.


Porque hoje o medo fez a vez do vento,
em popa da vela das costas e favorável leme, astrolábio de um peito que proa para todo os sustos e terrores dos porvires , todavia amedrontado,
enclavinhado de unhas, cerrado de dentes.




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