É o medo que me leva a abrir a verve
imaginante para não
rasgar a vena cava, a jugular ou a voz
do pulso até ao Tinoni histérico
do INEM.
É o medo que me faz lesar o erário
púdico,
amando na rua da carne com vista para
todas as janelas
para não defenestrar-me.
É o medo que me faz adentrar de
isqueiro aceso pelo mar até o corpo
enroupado de jeans e blusão negros
dizer entoar engelhado, trémulo e quase
hipotérmico “ Alto lá! A tua vida
não se afunda como num filme do Mizoguchi,
é melhor voltares para onde vieste.”
É o medo de quem me dera ter o miúdo
do Yi-Yi a fotograr-me, por não
saber que ameaças esconde, a vida que
se passa por detrás da minha,
a dois ou três palmos do nariz.
É o medo que me inflecte genuflectido
ante a linha do horizonte,
Como se orasse, me humilhasse, como
quando descobri o que é e para que serve uma árvore.
É o medo que me evita cumprir-me de
vez poeta
de novas palavras com barbas, por
ninguém ligar, ou,
pior, poderem haver quatro mil pessoas
interessadas nisso.
É o medo que me leva a entrar e a não
entrar no último metropolitano
de Amadora Este nocturna, para o gangue
e facada se não passares pra cá euros, telemóvel e o código do multibanco.
É o medo que me alerta para a
evidência de que este paisinho
se habita de numerosas almas boas,
trabalhadoras temerosas
do que mais podem vir a fazer os que as
desgovernam, crentes
que são na solene honra e defesa de
superior interesse nacional,
quando empossam assinantes o destino de
defunto de um futuro melhor.
É o medo que me desenha yo-yo, pedra,
boomerangue.
Bala e richochete. Dealer e oerdose.
Bom senso e suicídio.
É o medo que me faz rogar, já que o
dia em que nasceste e o da tua morte, do mundo são ó poeta,
que me cedas a título temporário,
por um módico pedaço cósmico deste
meu viver, um pouco da posse
e gozo dos teus dias de permeio.
É o medo que me faz perder todos os
táxis-por todos os comboios
serem haveres do Mário- e falhar o
regresso a casa, a fuga, o cansaço
da criancice tardia da gente vadia
coroando a exultação da monotonia
com mijo, detritos, beatas, garrafas,
copos, gritos e danças- por não haver
autocarros depois das 19h20, para os
meus amanhãs bem cedo de alarme
profissional.
É o medo que me faz fazer tudo o que
quero e não quero,
ciente, por mor desta falha humana
condição e da morte,
de que nunca farei tudo o que quererei
e não quererei.
É o medo que me faz propositado
esquecido trancado
com as chaves fixas do lado do mundo,
enquanto a sombra
não sei onde e o reflexo de costas,e a
morte que venha e
dê a três pancadinhas e abra o pano,
para que me aparafuse
três voltas assaz ferrugentas e
comidas não saindo nunca
do pesadelo de mim.
É o medo cais e nau, lenço e aguagem,
Finisterrae e Cabo, Adamastor e Ilha
dos Amores,
onde desaguo qual rua citadina
virgulando-se de esquina e reticências de
passos de perder de vista, em que
estaco, hesito, prossigo.
Porque hoje o medo fez a vez do vento,
em popa da vela das costas e favorável
leme, astrolábio de um peito que proa para
todo os sustos e terrores dos porvires ,
todavia amedrontado,
enclavinhado de unhas, cerrado de
dentes.
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