23 de abril de 2019

Espelho Nuvem

Não te conheci - a mãe disse-me
que sucumbiste breves semanas depois da luz
que te acolheu, e que por vontade dela e falta de vontade do pai,
estive quase para não vir ou
por um qualquer outro lance de dado outro ventre frutificaria.
Deu-te um nome e desse vislumbre e sinal teci tua sombra,
corpo e voz, biografia de violências e alegrias,
entrecruzando materiais vibráteis no éter
como notas de música, minha trama obsessiva de membros, tronco e por fim rosto,
tornaste-te o meu totem e o tabu dos pais
( perdoa-me, perdoa-os).
Em suma, com estudo e deleite, 
vesti-te um mundo de ilusão que não era uma ilusão de mundo,
como se fosses um canto maravilhoso saído de uma lenda das oraturas,
animal fantasmático extraído da imaginação de uma nuvem,
escura como esta noite me há-de tragar como te digeriu, grande peixe
nadando em sonâmbulo ziguezague de estômago sempre insatisfeito
no fundo frio negativo dos meus sonhos entre as medusas e noctilucas
dos medos e memórias, até se lembrar de despertar o arregalado apetite,
para este que está prestes a fechar mais um escusado e incongruente amontoado,
de ideias sem eixo de poema e de si mesmo,
dando menos uma ceia última
que snack de meia-noite.

Sem comentários: