6 de novembro de 2017

MORTE AO PIANO

A maternidade onde a luz o reivindicou para si mesma sumiu, 
no seu lugar, agora, outro edifício lança distinta sombra, tão estranho 
como um dente d'ouro em branco sorriso e hálito são, pese embora tudo se apresente 
estranhamente familiar, como a escola e o caminho para casa, 
do outro lado da estrada. 
O silêncio ainda negoceia presença com o sereno meneio das árvores e os cânticos dos pássaros, 
os habitantes e os passantes mais casuais parecem conservar ainda, 
nos gestos, nas palavras, a mesma lenta velocidade que caracterizava e convertia o bairro num lugar 
tão tranquilo e aprazível, sem, pasme-se, as aparições e a ameaça da polícia: podia-se morrer aqui, mas não foi obviamente o lugar onde me fiz homem. 
Ninguém sofre mirando uma pintura naïf. Ninguém cresce onde é feliz. 
Depois vieram os gritos, os punhos, os desamores, as decepções, os amuos, etc e os mais vários estados do ânimo, tudo aquilo que lastimo e me justifica aqui , a bíblia da minha biografia, a letra que mata e o espírito que a vivifica, 
a vontade de resgatar o mundo de si próprio ou condená-lo a um contínuo Apocalipse, as lágrimas nas coisas, 
as mais escusadas metáforas, citações e envios, os tropos, a auto-comiseração, a linguagem 
com o rei nu, enfim, o anjo de minha história com as penas das asas próprias saindo da boca, 
belo e ridículo em triunfante auto-extermínio, tudo aquilo que vai perfazendo 
uma muito idiossincrática urgência de melancolia.

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