25 de agosto de 2017

MINIMA MORALIA

Quando ainda não souberes por que paira sobre tuas pétalas e corola, ameaçadora a abelha da experiência, querido, sentar-te-ei na flor da tua idade e ensinar-te-ei o medo, a saudade, a desilusão, a mentira, o rancor, o desalento, como apreciar e rir dessas piadas irónicas, experimentarás também o prurido doloroso de um amigo ou amante que não te responde, de como um poema é um abrigo das más estações, grandes robustas folhas de bananeira quando te parece que está sempre frio e a chover, e a música não é mais do que o vento que sacode as bátegas que as enchem de um peso hostil. Cuidarei igualmente para que aprendas cedo, e quanto mais cedo melhor, a munir-te das melhores armas, as mais duradouras e eficazes - a vida é uma longa espada e combatê-la, para que saibas, é exercício escusado e inglório, mas fá-lo-ás, porque crerás que a vontade que dominas e comandas é a do sonho - serás a criança de Whitman que perguntou "O que é a erva?", esperando que esta lhe reaja "O que é a criança?". Concluirás depois que Deus poderá saber karaté, mas o Diabo esconde o gume dos traidores entre o cinturão e o quimono. Haverá até um momento, como Hölderlin, que não entenderás as palavras dos homens, e procurarás a salvação que te foge no sexo desenfreado desprotegido com corpos nus diversos, nos deuses dos livros e outros placebos químicos. Não obstante, não te angusties, sorri, porque entre as horas violentas, haverá intervalos de cansaço e alegria( saberás dosear o riso e o tino), com sorte, de amor, com mais sorte ainda, amor próprio, o único salvífico. Amarás as mulheres, ainda que elas queiram não raro que rasgues os pulsos com os caninos. Darás o devido valor à tua mãe, segundos antes de fugir de casa e segundos depois de teres-lhe dito que não pediste para vir ao mundo e a odeias até ao infinito. E resumiremos a matéria dada quando o sol subir, dia após dia, com entusiasmo, rigor e disciplina. Para quando chegares enfim aos anos que agora te escrevem, conheceres o peso de um lenço lento num cais vazio acenando ao silêncio e nevoeiro, discreto desespero em forma de missiva para o horizonte e guardares na gaveta os antigos, tolos e esperançosos manuscritos, furiosos gatafunhos ensopados de sede de viver, letras que esborrataste com um secador, quando depois de as afogares, tentaste fazê-las regressar prístinas à tona luminosa dos vivos. Farei tudo para te tornares como eu e os demais e não quem és, querer e acto de que não obterei nem nunca quererei que me concedas perdão, mas pode ser que antes de eu dar por terminados os trabalhos dessa ruína ruim, lances mão a Nietzsche e a Freud, tatues os seus e outros nomes ferozes debaixo da língua ou na fronte, construas para ti uma bela morte, declares com som e fúria na vidraça do Metro a golpe de butterfly, líder de um gangue de espíritos livres, que Deus morreu e ainda vás a tempo de matar o pai.

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